quinta-feira, novembro 30

É Matal!

A época natalícia que se avizinha e a passeata do Bento Ratzinger pelo Bósforo reanimaram-me o conto predilecto nas tertúlias com o refugiado belga. Há uns anos atrás, a verdura de um estagiário neste estabelecimento de doidos era amadurecida com traduções de novas do estrangeiro. Com a candura de iniciante no mercado de trabalho, o jovem examinando canalizou cinco anos de curso universitário numa missiva de uma reputada agência internacional anglófona. Noticiou o aprendiz que a época que celebra o nascimento de Cristo recupera anualmente a milenária tradição da degola de turcos. Excluíndo algumas zonas do planeta mais carenciadas, praticamente todo o mundo civilizado se empenhava no ritual de matar turcos. Mandava o hábito festivo que se estripasse uns valentes milhões de turcos para o repasto da ceia. Por imperativo bíblico, os turcos afagavam o estômago das famílias, que em retiro íntimo de confraternização, agradeciam à divindade o recheio do prato. O aturado trabalho do noviço resultou numa bela e comovida prosa, não fosse a particularidade de um ligeiríssimo descuido de tradução, que quase desencadeava um conflito institucional com a Associação de Produtores Avícolas

quarta-feira, novembro 29

Clark Quente

Anda por aqui um rapaz, já pelos quarentas, apelidado carinhosamente de Clark Kent. Moreno, alto, de par de lunetas ensebadas, fronha acnada e pateta como o original, o Clark é a figura sobre a qual animo a alma nos dias mais tristonhos. Quando o cenário chuvoso teima inspirar-me melancolia, vou ali ao estaminé do lado, dou duas ou três contempladelas ao Clark e fico logo bem disposto. Se providenciarmos alguns cuidados nos períodos de canícula, para nos esquivarmos à fedentina emanada pela sovaqueira, podemo-nos aproximar com relativa segurança da criatura. São necessários, porém, alguns requisitos prévios. Para evitar prelecções enfadonhas sobre as propriedades dos teclados ergonómicos, é aconselhável simularmos um achaque de surdo-mudez e esgueirarmo-nos de mansinho. Sugere-se também uma distância segura se, eventualmente, o potencial interlocutor carregar com a cruz de ter nascido mulher. A abordagem de salamaleques é inevitável e independente da categoria de fealdade da visada. Este Casanova fará marcação cerrada à portadora de ventre parideiro mais incauta. Aquando em intimidade com os seus botões, o Clark pratica as fracassadas investidas com a fotocopiadora. Ainda há dias lá estava ele, de joelhos flectidos, em pose de inicialmentes ao acasalamento. Inclinado sobre a máquina, mirava com minuncia a sumptuosa prateleira que avia as folhas printadas. Indagava pelos motivos de tanta indiferença aos seus ensejos de reprodução documental, desconhecendo que é aconselhável digitar a tecla clitoriana para que o engenho comece a despachar serviço

terça-feira, novembro 28

Carambolas de bolas

Tenhos as cruzes inflamadas e a mira óptica desregulada. O emocionante reecontro familiar, depois de uns dias de folgas, deu nisto. Passei o fim-de-semana a arriar-me sobre o soalho para indagar sobre o destino das bolinhas de gelo pontapeadas, com aplicado recorte técnico - sublinhe-se - pela minha Cice. Perdi a conta aos golos do Benfica, mas pago agora a factura do festival Glorioso. Tenho o lombo a latejar e o chão da sala semeado por bolas coloridas, precisamente as mesmas que há 30 e picos anos mordiscava para aliviar as gengivas. Aquilo mete-se por tudo o que é fresta e dá uma carga de trabalhos recuperar no lusco-fusco da sala. Fonix!
...
Pssshhht, não se chibem, mas o rebento dos dotes futebolísticos fartou-se de dizer caiaiadas, retiradas de
ensinamentos passados, quando tentava arrumar outras bolinhas coloridas na árvore de natal, edificada nos intervalos das jogatanas. Se é para ter futuro no pontapé da bola, já ganhou o jeito e a verborreia apropriada para se fazer entender

segunda-feira, novembro 27

A ceia

Uma reportagem recente da Visão vasculhou a intimidade do comissário europeu. Descobrimos que Durão Barroso cumpre um rigoroso regime, que lhe consumiu, até ao momento, a significativa fatia de 11 quilos. Cansado de rebolar pelos corredores do poder, o Zé Manuel anda a reconquistar ligeireza. A imagem enxuvalhada de uma Europa a 25 está a ser paulatinamente reconstruída por um homem que cuida da imagem. Entre os vários registos do aturado trabalho jornalístico, detive-me no convite aos leitores para o repasto semanal de Durão com um grupo de glutões em recuperação. Pudémos presenciar a amena cavaqueira numa ceia de minoridades calóricas. Depois de degustar duas fatias de tomate e metade de um hamburguer de soja, Durão partilha com os convivas um morno chá verde, junto com uma água natural gaseificada, para rematar a digestão. No rescaldo do banquete, o repórter fotográfico em serviço registou o momento em que o comissário delata a mais recente anedota sussurrada pelo amigo Santana. Contou-lhe o seu sucessor no passado recente de ex-primeiros em desgraça que almeja regressar à política activa. A confidência, de potencial risível inesgotável, parece não recolher grandes sorrisos entre os parceiros de mesa. Ora atentai na fotografia. O parceiro do lado recolhe discretamente para recuperar do abalo, enquanto o que se lhe segue paraliza de estupefacção, inspirando o cenário taciturno entre as alminhas que o acompanham na refeição. A prova incontornável que as dietas não têm piada nenhuma

domingo, novembro 26

Dick Bocage Hard

Provavelmente... a melhor poesia

sábado, novembro 25

Dias de solteiro

Mas o que é o o cu tem a ver com as calças? Esta será a pergunta que monopolizará as consciências entre os estupefactos que presenciam o acasalamento entre Os Normais e o V for Vendetta. Pois bem. Serei lesto a esclarecer. Foram as companhias no meu último dia de "solteiro", na véspera de levantar a encomenda despachada há dias para Cabo Verde. No lugar de casas de strip ou outras alternativas de irrepreensível utilidade lúdica, aqui o Fogacho emborcou duas tostas místicas, vestiu o pijama, estatelou-se na cama e pôs os discos a correr. Primeiro o filme em que o Matrix Mr. Smith não deslarga a máscara de um antigo espadachim e desata a esventrar os maus da fita. Uma grandíssima obra sobre a justiça na ponta de uma naifa, que me apanhou totalmente desprevenido. Está uma pessoa à espera de descansar o cérebro numa banda desenhada transformada em pessoas e apanha com uma dica aterradora sobre um futuro de tirania que pode estar já aqui ao lado. Depois, para desanuviar o ambiente, seis episódios de enfiada (julgo que os únicos editados em Portugal) de uma das melhores coisinhas do audiovisual brasileiro. Peripécias de Rui e Vani, um casal de desequilibrados que me fazem rir até às câibras abdominais. Imperdível a sopa de cagalhote de parasite, servida com a concha que chapinhou na retrete da intragável sogra da Vani. Sirvam-se que é à confiança

sexta-feira, novembro 24

O melhor golo da vida dele

Um realizador de televisão mal-formado acaba de esvaziar a campanha de angariação de sócios que o Sporting planeava para breve. A aquecer a napa fria do banco do Inter de Milão, Luís Figo exultou com o golo que arredou os lagartos da Liga dos Campeões. Quando os verde-e-brancos esperavam que o Pastilhas arrebentasse com os contraplacados da cabine dos reservistas, afinal tiveram de engolir com os histéricos festejos do Luigi. Devassaram a intimidade do nosso astro, que tem todo o direito ao recato aquando em júbilo. Acho mesmo muito mal que já estejam a dizer que o célebre anúncio benfiquista do choramingas Rui Costa contará brevemente com uma sequela

quinta-feira, novembro 23

Spama tu também

"Cada bloguista participante tem de enunciar cinco manias suas, hábitos muito pessoais que os diferenciem do comum dos mortais. E além de dar ao público conhecimento dessas particularidades, tem de escolher cinco outros bloguistas para entrarem, igualmente, no jogo, não se esquecendo de deixar nos respectivos blogues aviso do 'recrutamento'. Ademais, cada participante deve reproduzir este 'regulamento' no seu blogue."

Desafiado por uma
mulher que se "farda" de escrevinhar compêndios de palavrões, enuncio então cinco das minhas 387.724.209,534 manias. A ordem é arbitrária, embora tenha especial apreço pela terceira
...
1. Escaranfuchar entre as impurezas da cavidade que medeia o mindinho do pé e o dedo que se lhe segue (anelar?)
2. Acompanhar atentamente os debates desportivos de segunda e terça-feira enquanto extraio da mosca do lábio inferior pêlos com pontas espigadas
3. Transformar licor de ranho em consistentes bolinhas de sebo. Dá algum trabalho e requer muita paciência, mas é contagiante induzir aquela metamorfose
4. Entupir as estantes com DVD’s e estatuetas Star Wars
5. Orgiar abraços a três com a Maria e a Cice. Fica logo tudo despachado!
...
É-me agora indiferente se a corrente fluirá por estas paragens - engenheiro kunhas, coccixas, ducas, miúdo noriega e trincadeira - mas já me livrei do mau olhado. Desenrasquem-se!

quarta-feira, novembro 22

O ascensor do amor

Vou à sub-cave tomar outro café. O desígnio madrugador arrasa-me a vigília e carencio de substâncias que me reponham a firmeza. Já no balcão, embrulho-me em ligeira peleja com o Cacá, o proprietário do micro-estabelecimento que nos dá serventia, e insisto que páre de me chamar senhor. Disfarço o desconforto com duas ou três frases sobre a crise de resultados do Benfica. Emborco em duas penadas a cafeína liquefeita e regresso ao elevador. Pára dois pisos antes, detido por alguem que acalenta tomar o mesmo caminho. A porta escancarada denuncia o vulto antes destorcido pelo vidro martelado. É ela, a Pápi, o mulherão entradote que muitos cobiçam em fantasias desequilibradas. Recuo no exíguo compartimento para lhe dar espaço à entrada. Sorriso cortês da praxe e lá vamos nós por ali acima. Chegados ao andar, seguiram-se o par de milésimas de segundo mais longo das nossas vidas. Por que esperava ela? Pelo infinito? Paralizara ela num emaranhado de reflexões? Quando me preparo para inquirir sobre o estado da moça, eis que a Pápi, desenvencilhada do estado de letargia, se me dirige de pronto: Não me vais abrir a porta? Atropelado por uma série de impropérios, doidinhos para lhes esventrar os tímpanos, cerro os lábios para que não me escapem os adjectivos mais labregos. Limito-me a um lapidar: Tu estás mais perto! É que lá por serem bem constituídas e giras com'um raio não pensem que lhes afago a soberba. Meteu o rabo super-sexy entre as torneadas pernas e saiu porta fora

terça-feira, novembro 21

Toca A Proxenetar

Ontem fui despachar uma encomenda para Cabo Verde, leia-se penosa viagem de trabalho da Maria até à cidade da Praia. Na minha incursão pelo Aeroporto de Lisboa, descobri que a TAP anda a promover visitas guiadas às instalações por uma quantia a rondar os 15 euros. Pois foi a referida cifra, uns 3.000 escudos na moeda antiga, que tive de desembolsar por hora e meia de estada. Depois do check-in, fomos enganar o estômago com uma bucha. Por duas sandes manhosas e um par de refrigerantes, os proxenetas do pronto-a-comer Astrolábio usurparam-nos qualquer coisa como 12 euros. Com um nó na garganta, nem sequer arrisquei investir na cafeína, provavelmente adornada com raspas de ouro. Depois de deixar a Maria em lágrimas, fui levantar o veículo ao parqueamento. Só recebi o visto dos gajos da EMEL lá do burgo depois de aliviar a carteira com mais 3 euros. Acredito que a parasitação das low-cost anda a baralhar as contas ao minino Fernando Pinto, mas caro administrador, o nobre gesto de expedir a minha senhora não tem preço

segunda-feira, novembro 20

Cós Laureta

Vai desculpar-me este meu amigo o plágio descarado do look à la cromo, mas o Laureta da farfalhuda caracoleta, cujo pindérico registo fui sacar daqui, fez parte da minha vida. Foi jogador mediano e nunca granjeou categoria suficiente para vestir a camisola do Glorioso. Arrastou-se por clubes regionais como o FC Porto, Sporting de Braga ou Vitória de Guimarães e encerrou a carreira quase sem ninguem dar pela reforma. Hoje, o Laureta renasceu inadvertidamente do jazigo da minha indiferença. Tudo começou há uns bons anos atrás. Um colega atiçava-me a cobiça exibindo, com desmesurado orgulho, um fato de treino comercializado, a preço de amigo, por um ex-jogador. Sim, esse mesmo, o Laureta. Prostrado de joelhos e simulando um quasi desfalecimento, pedinchei a esse meu work partner que intercedesse junto do antigo craque. Anuiu e dias depois envergava um felpudo training suit da Adidas, tal qual um outro que hoje vi a agasalhar uma cinquentenária. Ou, há dez anos, tinha dotes de visionário e antecipava a longevidade do cós no tornozelo, tal qual o calçonito no Tintin, ou, em meados da década de 90, padecia de um refinado, e preocupante, mau gosto

domingo, novembro 19

A graça do Luís

Ontem estive com o Luís. Não é amigo do peito, mas conhecemo-nos há mais de dez anos. Tenho por ele alguma estima. Acho mesmo que faz jus ao apelido. Tem piada o Graça. Uma forma peculiar de existir. Por isso, muitos diagnosticam-lhe precipitadamente desequilíbrios comportamentais. Muito pelo contrário. Posso testemunhar que o Luís é uma enciclopédia ambulante, com apuradíssimo sentido de humor. Também é escritor. Comprei-lhe há dois anos, no Festival da BD, O Homem que Casou com uma Estrela Porno e outras histórias e o Neura 2004. Pouco depois, borrei-me todo de tanto rir quando o vi declamar poesia erótica no Cabaret da Coxa. Comprei, pois está claro, o De Boas Erecções Está o Inferno Cheio. Este sábado, estivemos juntos no Estádio da Luz. O Luís é campeoníssimo de ping-pong, mas também um estudioso do voleibol. Ontem, adivinhava praticamente todos os pontos e ainda tinha tempo para injuriar o speaker das "palminhas encarnadas". Quando toda a gente saudava mais um ponto do Glorioso, o Luís preferia incentivar as correrias das meninas da estatística, enquanto controlava, de soslaio, as movimentações das adeptas mais voluptuosas. Graça(s) ao Luís, aprendi que um jogo de voleibol masculino pode proporcionar extras de líbido

sexta-feira, novembro 17

The girl next door

Com a graça de Deus, conquistei a independência bem cedinho. Pouco depois de dobrar as duas décadas de existência, adquiri um habitáculo ali para o Conde Barão. Umas águas furtadas de 40 metros quadrados. Aquilo era tão apertadinho que tinha de tomar banho de cócoras. Recordo-me que na altura de rechear o investimento, alguns electrodomésticos foram recambiados à origem, por não atravessarem a porta de entrada. Descontando esses pequenos contratempos, a dificuldade em me mexer lá dentro e de chover a cântaros em dias de temporal, aquele canto era o orgulho da minha afirmação. No andar de baixo cirandava a N., a desterrada vizinha algarvia, de alto porte e elegante silhueta. Fruto da graça de duas almas joviais, fomos conquistado intimidades. Comovi-me no dia em que me bateu à porta para me confiar a chave. Ia para o Sul e pedia-me para lhe regar as plantas. Estávamos tão próximos que em certa ocasião convidou-me para um café. Falou-me com paixão incontida das barragens. Era uma aficcionada das represas. Uma admiração de anos pelo poder electrificante das águas. Foram horas de convívio, nas quais consegui beber alguns conhecimentos da complexa arte de erigir diques. Não fiquei adepto. Saí de mansinho, convicto que existiam poucos gostos em partilha. Assim de memória, apreciávamos café... ah, e soube depois, gostávamos de mulheres

quinta-feira, novembro 16

Claudidíase

Ontem, no espaço de segundos, vivi entre a exaltação e o logro. Por outras palavras, provei o veneno dos mal-entendidos. Considerações precipitadas que transformam, por exemplo, o mais cândido idealismo romântico em líbido promiscua, como mostra o exemplo recente das tatuagens de Elsa Raposo. Histérico representante das colunas de opinião, Cláudio Ramos é personagem que desencadeia paixões e afectos entre a esmagadora minoria dos que lhe dão crédito. Desbocado compulsivo, denuncia em praça pública comportamentos de terceiros. Nem a suspeita paternidade, após relação fútil com uma roliça alentejana, lhe amansou os instintos do escárnio. Transmitiu-me a minha tia que a personagem tinha acabado de levar um enxerto que lhe deixou a fronha numa bola. Quando me preparava para opinar sobre os inevitáveis resultados daquela boca viperina, demoveu-me de pronto a minha tia. Afinal tratava-se de um enxerto ósseo, para corrigir um acidente do passado, provavelmente o parto do próprio

quarta-feira, novembro 15

Inflacção urinária

Tive o cuidado de cronometrar a necessidade que me impulsiona a tomar este caminho para aliviar a bexiga. Esperei, porém, pelo meio termo. Nem em estado de rebentar o reservatório, nem pretexto para gotejar sobre a alva porcelana. Demorei precisamente 1,37 minutos no processo que me conduziu ao vazamento, respeitando criteriosamente uma mediana necessidade premente. Ora, fazendo as contas por alto, o patronato desbaratinou naquele período 3 cêntimos, precisamente o valor subsidiado por 1,37 minutos de lides profissionais. Vamos deduzir, também por alto, que em cada sete horas de tabalho mijo umas quatro vezes. A romaria fica valorizada por uns 12 cêntimos/dia, quase 2,7 euros/mês pia abaixo. Se contas recentes mostraram que a minha carreira tem uma progressão fixada nos 5 cêntimos/dia, qualquer coisa como 1,1 euros/mês, mijo mais do dobro sobre a tabela de valorização do meu desempenho. Se me esperam mais 30 anos de ofício, o politburo aqui do burgo fechará as contas com um subsídio de quase 1.300 euros pelo meu xixi. Descontando naturalmente os últimos cinco anos, comparticipados pela caixa de previdência, que me sustentará as fraldas para os achaques de incontinência

terça-feira, novembro 14

Um tolo segundo isto

Levantado do chão, Ricardo Reis formalizou o ano da sua morte junto do evangelho subscrito por Cristo. Sentia-se um homem duplicado, a monte numa jangada de pedra. A cegueira ensaiada em menino, desafiava a lucidez ao velho pai, que lhe chamou todos os nomes. Encarcerado nas memórias do convento, assustava-se com a história do cerco de Lisboa. Refugiou-se na caverna, vacilando nas intermitências da morte. A definhar, clamou em surdina: Estar vivo é estar. Estar morto é já não estar!

segunda-feira, novembro 13

Demência às bolinhas

Por culpa disto, a insanidade vai derrotando os neurónios à Maria lá de casa. No âmbito de um desequilibrio emocional vertiginoso e decadente, a dita camarada de assoalhadas sofre com as dúvidas sobre a indumentária a usar na boda religiosa dos meus criadores, outros que não andam lá muito famosos de discernimento. Tal a estima pelos sogros de afinidade, a Maria tem gosto em apresentar-se catita na cerimónia. Ontem tive direito a desfile. Ponderámos em conjunto sobre as duas dezenas de alternativas a concurso, mas nenhuma delas parece ter desencadeado o click. Em pleno rescaldo da desgastante mostra, repousava o olhos no futebol criativo do Barcelona quando a desequilibrada me apareceu na sala com um capacho postiço cheio de esferas de rolamentos. Ponderava - e repito para que não restem dúvidas, P-O-N-D-E-R-A-V-A - acachapar aquela coisa na tola durante o casamento dos meus progenitores. Ainda hoje me dói o esfíncter de tanto gás deslargado pelas gargalhadas alarves

PS: agradecimentos ao grande amigo da minha Cice, o Tonecas, pela disponibilidade ao registo fotográfico, para memória futura

sábado, novembro 11

Zé Manel, o encerador

Provavelmente... a bola atrapalha
aqui tinha denunciado o incidente

sexta-feira, novembro 10

Marta súbita

Final de mais um dia de labuta. Jantar num estabelecimento de bifes com molhos à indiscrição. A Maria contentava-se com um chá gelado. A mim, trespassava-me o goto uma loura geladíssima. Ao lado, um casal com duas crias hiper-activas. O gajo assim pequenino, atarracado. Olho azul, aspecto germânico, já em plena condição cinquentenária. A tipa, uma trintona bem aviada. De buço mal cuidado e com uns papos monstros pendurados sob o par de glóbulos oculares, caga de alto para a inquietação permanente dos pequenos. Prefere dedilhar compulsivamente as teclas do telemóvel, enquanto jaz um pedaço de carne e um punhado de chips num prato mal amanhado. De melena em carapinha e franja desactualizada, a tipa não é definitivamente da geração Mudasti. Parece que estagnou na década de 80. À excepção do abdómen, discreto por aquela altura, mas agora com ganas de dar nas vistas. Assim numa apreciação descuidada, um real camafeu, quase com o dobro do tamanho do mais-que-tudo. Mas após uma avaliação mais minunciosa, o soco que me acabou com os apetites. Aquela era ela

quinta-feira, novembro 9

Dar-te forte

A ambição humana pela imortalidade aparafusar-nos-á inevitavelmente a caixilhos e rolamentos num futuro muito próximo. Num mundo que se adivinha um imenso bairro social, com famílias encaixotadas em estruturas de 40 andares, o presente trata de oferecer pistas para o que poderá aí vir. Para melhores esclarecimentos sobre o futuro, contamos com os visionários. Lembro-me, por exemplo, de George Lucas, que nos ficcionou o melhor exemplo da ambição do respirar perene. Sorrateiramente, atribuiu o ensejo da eternidade aos instintos mais negros dos mortais a baptizou-o de Darth, Darth Vader. Com a ajuda de uma complexa maquinaria, Darth ameaçava o bem, mas, apesar de prevaricar, granjeava adeptos entre os mais diversificados escalões etários e sociais. Continua a ser o vilão mais popular, mas hoje está confinado a um recanto obscuro no Museu da Electricidade. Besuntaram-lhe as solas com Araldite e deixaram-no a enferrujar por alí, sem a dignidade de outrora. É injusto. A Elizabeth Taylor enterrou 38 Lassies e prepara-se para nova boda e ainda ninguem aparafusou a múmia ao Museu de Arte Antiga

quarta-feira, novembro 8

Tiro nos escuros

Em Washington DC alojam-se etnias em guetos. Com um louvável faro para o negócio, a poderosa National Rifle Association (NRA) capitaliza avultadas mais-valias com a insatisfação dos afro-americanos, os bodes expiatórios da incontrolável criminalidade na capital do Império. Temendo pelo emagrecimento dos recursos, a presidente da NRA, Sandra Froman, associou-se aos repúblicanos na recente campanha eleitoral nos States. Desancou nos democratas e fez depender o futuro colorido do país no voto no partido dos elefantes. Sandra Froman injuriou Nancy Pelosi, John Kerry, Ted Kennedy e Hilary Clinton por terem cometido a ousadia de prometerem medidas que estaquem a liberalização do negócio das armas. O resultado saiu avesso às contas republicanas e parece que até o Senado está prestes a ser tomado pelos burros. Nancy Pelosi, a nova líder da Câmara dos Representantes e a bloquista lá do burgo, promete sanguinárias pelejas com Bush Jr., mas à força dos punhos cerrados. A NRA sai em defesa do presidente e gaba-se de providenciar, ao longo de 125 anos de existência, programas de segurança, educação e responsabilidade aos fellows americans. Agora, o poder virou canhoto na ideologia e os democratas ameaçam escangalhar os ensinamentos dos pró-portadores. Infortunadamente para a NRA, há coisas que não se podem resolver a tiro

domingo, novembro 5

Gilles, o Bárbaro

Alertou-me esta criativa para uma curiosa obra de Gilles Barbier, um tipo francês com desmesurado sentido de humor. Tem expressões plásticas engraçadas. Por outras palavras, tem um jeitinho risível. Mas por vezes intromete-se em meios que deviam ser palmilhados com reverência e decoro. Achou por bem o engraçadinho desmistificar a comunidade de heróis, que zela diariamente pela integridade dos mortais. O artista gaulês esmurrou-me o estômago. A mim e a milhares de milhões de terrestres, que contam com a cuidada diligência do clube de justiceiros. Defende Barbier, com a referida manifestação tétrica, que esgotou o prazo dos signos da imortalidade. A Catwoman com achaques de menopausa, o Capitão América prostrado numa marquesa ou o Super Homem apoiado em andarilhos são interpretações distorcidas, que lesam a integridade de um planeta que cultiva diariamente bandos de parasitas. Tenha cuidado senhor Gilles, que os nossos heróis não deixarão passar incólume a afronta

sábado, novembro 4

Kalmitos

Não sou de saudosismos bacocos, mas sinto falta dos Kalkitos. Apresentavam-nos um cenário de cartão e um celofan com bonecada. Seguia-se o desafio de acasalar as duas partes harmoniosamente. Pegava-se no plástico translúcido e desgrudava-se as figuras anexas sobre o cartão. Era viciante o processo criativo. Cheguei a cobrir cenários em cinco minutos, tal a ganância de contemplar o resultado final. Do abichanado General Custer ao herói de collants Superman, kalkitei um pouco de tudo. Infelizmente desapareceram e escancararam o mercado a uma série de empresas oportunistas. Limitaram-se a kalkitar parcialmente o conceito. Tornaram-no mais complexo e sinuoso. Há um par de anos, um refugiado belga ofereceu-me um super-mega-hiper album que transbordava cenários desertos. Competia-nos pegar nas resmas de auto-colantes anexas e escarrancha-las naqueles vazios de nada. Não me acostumei. Aquilo é um bacanal de perspectivas que é praticamente impossível adaptar cada figura ao local adequado. Só complicam estes modernistas. O Hulk que me parecia adequado ao deserto do Arizona, afinal estava a escangalhar a ponte de São Francisco. Enverdeci que nem a besta do mutante e renunciei aos propósitos lúdicos. Sou da velha guarda!

sexta-feira, novembro 3

Bride pride

Numa sociedade preconceituosa e letal nos conceitos caluniosos, venho aqui sair em defesa dos funcionários públicos. Essa gente bem formada anda a alimentar com injustiça o anedotário, só pelo nosso gostinho em desdenhar na competência. Uma espécie de cobiça encapotada em desdém. Não entendo tanto preconceito. Só para calar os viperinos, conto aqui uma linda história de amor, que ruiu a inabalável compostura de mim mesmo. Empunhava o 37º ticket num balcão de atendimento. Esperei civilizadamente as horas necessárias até o gongo soar finalmente. Preparava-me para esclarecer ao que vinha quando a balconista me pede um segundo, pois a colega de serviço acabava de esparramar a nadegueira sobre o tampo da sua secretária. Acedi com cavalheirismo e esperei. Em bom tempo o fiz, pois o que se seguiu encheu-me o espírito daquele violeta e verde garrafa, tonalidades indissociáveis aos fundos das fotos de bodas. A colega rabuda empunhava orgulhosamente o anelar com o cachucho oferecido pelo noivo. Dissecados os quilates da sumptuosa preciosidade, a balconista aproveitou para solicitar à noiva conselhos sobre a melhor fatiota a envergar no casório. Como o anterior segundo que me pedira já se esgotara entretanto, pediu-me a balconista um outro mais. Atender-me-ia logo de pronto. Mais uma vez anui, de sorriso rasgado, pois o amor e seus derivados gozam de privilégio sobre trivialidades de impostos municipais. Soube então que a velhaca da sogra da colega cuzuda se preparava para levar um tailleur muito semelhante ao idealizado pela balconista. Ora bolas, voltámos então à estaca zero e passámos por novo processo de filtragem na escolha da melhor indumentária. Sucessivos segundos acumulados depois, não chegaram a conclusão alguma, mas emocionou-me aquele trato da colega rabuda, que nem sequer pediu desculpa aos 15 pindéricos que esperavam ainda pela sua vez. Isto porque os cerimoniais festivos de amor são prioritários e dispensam cortesia, educação, brio e vergonha. Fosga-se!! Bem dito regime da velha senhora, que providenciava muito espaço no Tarrafal aos excedentários. Agora, até mamas subsidiamos a estas gajas

quinta-feira, novembro 2

Sopa dos pobres

Estive ontem a dedilhar sobre a máquina de calcular e descobri que a progressão na minha carreira está valorizada em cinco cêntimos/dia. Isto números redondos e sobrevalorizados, porque o resultado da complexa equação mostrava arrepiantes 0,047 euros. Entre o intervalo de dois escalões profissionais, as minhas competências laborais valem precisamente 17,3 euros/ano. Ainda por cima o patronato anda a propôr à brigada do reumático, leia-se sindicalistas, dilatar as progressões automáticas de três para dez anos. Congratulo-me que os nossos representantes saiam transpiradamente exultantes com o resultado das árduas negociações, no que diz respeito às compensações conseguidas para o pessoal em final de carreira. Coincidentemente, malta assim na faixa etária dos delegados sindicais. Coincidentemente, os mais directos visados no usufruto das benesses. Até lá chegar, à pré-reforma dourada, já estou imaginar o cenário de todos os dias, à saída de nova jornada de labuta, compensada com mais cinco cêntimos...
- Portas: senhor, senhor, não se esqueça da moeda...
- Moi-meme: ora bolas, já me olvidava
- Portas: vai ao mesmo sítio?
- Moi-meme: agora estou a tentar os Anjos
- Portas: o Martim Moniz já não dá nada?
- Moi-meme: Eram uns sovinas. Sete colheres e mai nada. Nos Anjos trocam a moedinha por meia tijela do caldo sobejante da canja de galinha
Miséria!

quarta-feira, novembro 1

reViver das cinzas

Do outro lado do Atlântico trocam-se, por esta altura, travessuras por guloseimas. Com alguma sorte, batem-nos à porta uma ou duas diabinhas já na maioridade. Por cá, somos mais piegas e choramos os mortos. Cemitérios a abarrotar de gente enlutada. Ciganas prostradas no chão a berrar. Idosas a carregar regadores para alimentar as plantas da campa do mais que tudo. Enfim. No meio deste drama, um punhado de oportunistas a tentar capitalizar o negócio. Sim, que a morte também é um negócio. Que o diga uma multinacional espanhola que se instalou em Portugal depois de adquirir uma série de estabelecimentos para defuntos. Entre a vasta gama de produtos revolucionários, retive, durante uma reportagem matinal, um peculiar processo de cristalização. Não sabia, mas consegue-se transformar cabelos de mortos em diamantes para cravar em cachuchos. Mesmo assim, o maior proveito continua a ser retirado das cremações. Cada vez mais gente escolhe transformar-se em cinzas para se alojar numa urna de porcelana chinesa em plena sala de estar. Disso se queixava uma modesta comerciante de flores, que tentava a sorte à porta do cemitério do Alto de São João. "Isto agora escolhem todos ser queimados e o negócio morre". Mas não é essa a ideia?