sexta-feira, agosto 11
Eu, a professora, o João e o lagarto dele
Na tradição de relacionamentos pedagógicos, nutri, alguns anos depois de ignorar a professora de inglês, uma paixão assolapada pela docente de educação física. Não era nenhuma estampa, mas tinha personalidade forte. Fomos criando laços de amizade, muito por culpa de um conhecimento comum, a minha vizinha. Que, por acaso, era professora na mesma escola. Que, por acaso, dava aulas na minha turma. Que, por acaso, me brindou com um bastante razoável 15 a Filosofia, que me enriqueceu a média. E já agora, também por mero acaso, tratou de atiçar o aluno - no usufruto dos primeiros meses de maioridade - à licenciada na Faculdade de Motricidade Humana. Amava as nossas pegas. Ela, magana, fazia quase sempre trombas de danada. Eu respondia com parvoíces inteligentes e lá conseguia amaciar aquele olhar viperino. Certo dia proporcionou-se irmos ao teatro. Ui, nem dormi. Já estava clima primaveril, mas fiz questão de levar a minha gabardina creme, igualzinha a uma do Eriksson, que a minha santa mãe me presenteou numa viagem à Bélgica. Eu, ainda mais elegante que o treinador sueco aquando da segunda passagem pelo Benfica. Ela, com aquela figura trombuda e de tailleur clássico, ficava um must. Já em pleno teatro da Malaposta, escuro como o breu. Encaminharam-nos para um género de armazém, ainda mais sombrio. De repente, um bando de cruzados puxaram-nos da mão, assim muito à bruta, e sentaram-nos nuns calhaus, distribuídos numa sala mascarada de gruta. O espectáculo já tinha começado e nós estávamos dentro dele. Enredo da treta, para lá de psicadélico, mas pouco importava. Estava pertinho da docente motora, assim à média luz. Entrou o João Lagarto, que se intitulava filho de Deus, ou não sei quê. O homem era filho do Criador mas pouco imaculado. Cinco minutos depois já estava a despir uma gaja, que ficou pelada a um metro do nosso calhau. A meio do espectáculo, nova sessão de brutalidade dos cruzados. Arrastaram-nos para outra sala, que simulava, desta vez, o interior de uma igreja. E não foi um espectáculo nada católico. Nuns repentes, deram uns calores ao João e o homem tirou a roupa, mostrando-se tal qual o Criador o concebeu. Assim por alto, posso dizer-lhes que transpirou repulsa naquela área santificada. Não terá sido, definitivamente, a melhor alternativa lúdica para partilhar com a minha amiga colorida. No rescaldo do evento, pedi-lhe, precipitadamente, um cabelo. Talvez ainda atordoada com o vislumbre do João Lagarto todo nu, acedeu. Arrependi-me quando, dias depois, reabri o bloco onde tinha guardado a lembrança da professora. Só me lembrava do denso cabelame do nosso artista e do tímido réptil apenso
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